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CASO DOS IRMÃOS NAVES E O CASO DO MÉDICO CONDENADO SEM CULPA NO PARÁ

2 de abril de 2010

Relutei muito em escrever sobre esse tema, mas há momentos em que precisamos deixar de lado determinados (pré) conceitos e arregaçar as mangas, quando o que está em jogo é a liberdade e a vida humana. Afinal, está na hora de testar se é para valer a disposição do Brasil de viver, definitivamente, em uma democracia, num Estado de Direito e não de exceção (aquele, com letras maiúsculas mesmo).
Como a maioria das pessoas, também incomodo-me com as injustiças. Gostei muito de um artigo que li na Época onde um colunista faz um paralelo cultural entre uma nação milenar que se sustenta na filosofia de um Confúcio, como a China, e uma nação em busca de identidade, onde grupos se estruturam em torno de um chá alucinógeno e a “filosofia” por ele gerada, como no Brasil.
Meu mentor diz: “Muito felizes os humildes de espírito… os que choram… os mansos… os que têm fome e sede de justiça… os misericordiosos… os limpos de coração… os pacificadores… os perseguidos por causa da justiça…” (Jesus Cristo, no Evangelho de Mateus, capítulo 5).
Desde 1993, do Estado do Pará, a flecha da injustiça foi disparada contra algumas pessoas, dentre elas um médico capixaba, Dr. Césio Flávio Caldas Brandão. Se observarem, temos o mesmo sobrenome. Sim, somos parentes. Primos diretos. Nossas mães eram irmãs. A dele já morreu, por uma doença que, todos cremos, foi resultado do forte estresse que ela viveu na primeira fase da tremenda injustiça que se abateu sobre Césio, antes mesmo de seu julgamento, com graves consequências sobre todos ao seu redor.
Se quiserem me colocar sob suspeição, fechem a página e vão ler outra coisa. Se quiserem conhecer uma história real de injustiça, continuem. O Césio que conheço é o primo cujas roupas, calçados e brinquedos me eram doados, por conta da extrema pobreza em que vivíamos em nossa casa. Cresci visitando a casa dele e vendo-o sempre voltado aos estudos e à disciplina dos pais. Crescemos, praticamente, juntos. Eu em Alegre, visitando-os eventualmente, e ele em Vitória. Quando eu vinha à capital, sempre o vi ocupado com seus afazeres.
Berenice Caldas, a mãe, mineira de nascimento, era servidora pública estadual, dedicada a vida inteira ao seu mundo pessoal e familiar, construído em Vitória. Gostava de estudar línguas e música, regia o coral da Igreja Presbiteriana até a doença levá-la. O pai, Aluísio Brandão, paraibano, professor universitário federal, voz sempre mansa, chegou para o Espírito Santo na flor de sua juventude e aqui construiu sua vida, admirado por todos. Está vivo, com 85 anos, os últimos quase 20 de profunda dor, evidente em sua expressão antes suave, hoje tensa.
Tiveram três filhos: Césio, Selene e Cláudia. Os três tornaram-se médicos. Todos educados nos rigores familiares, bem na tradição mineira, e na doutrina presbiteriana.
Césio formou-se primeiro. Casou-se. Trabalhou algum tempo no Espírito Santo como médico, passou num concurso da Fundação Nacional da Saúde e acabou, algum tempo depois, indo morar no Pará, onde já estava seu sogro. Por lá, dirigiu um hospital federal e contou-me várias de suas viagens pelo interior da selva para levar assistência a populações distantes.
Um dia, sem quê nem para quê, o mundo desabou sobre a vida de Césio e sua família. O pai exemplar, o profissional competente, o presbiteriano fiel, o médico dedicado tornou-se o “monstro de Altamira”. Antes dele, criaram um outro monstro para justificar a incompetência policial para elucidar a sequência de mortes de meninos, todos no início da adolescência. O andarilho “Rotilho” foi preso, torturado e morto na prisão. Mas a emasculação e morte dos meninos continuaram e, naturalmente, o clamor público aumentou. Quando começaram esses crimes, Césio sequer morava em Altamira.
Para a sociedade do espetáculo, cujo comportamento inconsciente remonta às covas dos leões da Babilônia e às arenas romanas, o show tem que continuar, ainda que à custa de vidas humanas. Sangue por sangue, ainda que injustamente. Nada melhor para continuar o espetáculo do que atender à “cultura inculta” e criar a versão de satanismo, com rituais macabros, que misturam até mesmo pessoas que nunca se falaram antes. De preferência alguém com projeção social. E quem tem mais projeção do que médico numa comunidade do interior?
Assim foi que se criou a versão da seita satânica, que “sequestrava, mutilava, emasculava e matava meninos em Altamira”, na selva amazônica paraense. E lá se foi o médico Césio Flávio Caldas Brandão nessa história no distante ano de 1993. Seu histórico profissional, pessoal, religioso, social, nada foi levado em conta. Suas provas, documentais e testemunhais, de que não estava onde diziam que estava no dia do crime a ele atribuído, foram desconsideradas.
Tudo o que se apresentou contra Dr. Césio, especificamente ele, foi o depoimento de um ancião que viu sair da mata, com um facão sujo de sangue, uma sacola na mão, numa bicicleta, um homem “parecido com o Dr. Césio”. Há mais de uma centena de metros de distância, teria um ancião, com sequelas de AVC, condições de distinguir feições caboclas no meio do mato? Bem mais de perto, diríamos que cara a cara, há testemunhos de que no mesmo horário o médico estava apanhando, na porta da escola para levar para casa, duas crianças, uma dele e outra de uma vizinha. Há vários outros questionamentos, que podem ser lidos no meu blog, e escritos pelo próprio médico (www.josecaldas.wordpress.com).
Para encurtar conversa, depois de idas e vindas, pronunciamentos, impronunciamentos e repronunciamentos, Dr. Césio Flávio foi condenado a 56 anos de prisão num júri que ele mesmo pediu ao seu advogado para ser realizado, de tão convicto que estava de que os jurados se convenceriam de que ele nada tinha a ver com o pato.
O júri, realizado em Belém, foi, mais uma vez, um espetáculo circense (que me perdoem os artistas de circo), com transporte maciço de pessoas para participar dos shows artísticos em frente ao Fórum. Mesmo assim, resultado apertado: 4 a 3. Ou seja, os jurados não estavam convencidos da culpabilidade do Dr. Césio. Uma médica, sua testemunha de defesa, saiu algemada do fórum, acusada de perjúrio (mentir perante a Justiça). Dois meses depois, foi absolvida dessa acusação. Ora, se foi absolvida, falava a verdade. Se falava a verdade, Dr. Césio não estava no local do crime a ele imputado.
A partir daí, só milagre, concluímos. E ele aconteceu, quando no vizinho Estado do Maranhão, um ano depois, surgiu a notícia de que um mecânico de bicicletas confessou dezenas de crimes semelhantes aos de Altamira. Diferentemente das autoridades do Pará, a polícia do Maranhão agiu com perícia científica e isenção. Todo criminalista sabe que há comportamentos quase que patológicos entre os criminosos. Crimes em série, com mesma característica, não são cometidos por pessoas diferentes, mas por alguém com sérios distúrbios de personalidade, um serial killer. E não sou eu quem o diz, mas Illana Casoy, maior especialista brasileira no assunto (https://josecaldas.wordpress.com/2009/05/30/ilana-casoy-especialista-analisa-perfil-de-serial-killer-do-maranhao-e-o-associa-aos-casos-de-altamira-pa/).
Com competência, a polícia do Maranhão estabeleceu as conexões entre os crimes daquele Estado e de Altamira, regiões interligadas pela Rodovia Transamazônica. O mecânico estava em Altamira todas as vezes em que os crimes aconteciam. Quando o mecânico de bicicletas estava no Maranhão, os crimes aconteciam lá. Por fim, além dos crimes do Maranhão, o serial killer confessou também os crimes de Altamira, acrescentando até mesmo um que ninguém sabia.
O que fez a diferença na investigação no Maranhão foi a vontade dos agentes públicos, cônscios de seu dever. Vejam esse trecho de reportagem publicada pela revista “Carta Capital”, acerca das conclusões da polícia do Maranhão, que não é mais aparelhada que a de qualquer Estado médio brasileiro:
“O assassino, nascido em Codó (MA), afirma ter vivido em Altamira de 1977 até o fim de 1993. Em 1991 e 1992, teria passado alguns meses em São Luís como acompanhante de uma tia submetida a tratamento médico. No início de 1994, de acordo com declarações à polícia, mudou-se em definitivo para a capital maranhense.
Os crimes em Altamira começaram em 1989 e cessaram em 1993. Há pequenas pausas nos anos de 1991 e 1992, que, segundo o delegado Diniz, correspondem aos períodos em que Chagas afirma ter passado no Maranhão. Em São Luís, as mortes e as emasculações tiveram início em 1991, mas só se tornaram frequentes a partir de 1994, quando o serial killer diz ter saído do Pará para se instalar na cidade”. (“Certezas abaladas”, Carta Capital, edição de 08 de setembro de 2004).

No Maranhão, foram soltas todas as pessoas anteriormente condenadas pelos crimes confessados pelo assassino em série. No Pará, quatro foram levadas a júri. Uma das pessoas, apontada como “líder da seita satânica”, foi absolvida por falta de provas. Dois médicos, Dr. Césio Flávio, hoje com 56 anos, e Dr. Anísio Ferreira, hoje com 70 anos, estão presos. O terceiro condenado, filho de um fazendeiro local, não se tem mais notícia dele. Do tempo em que ficou preso, a família denunciou graves sevícias sofridas por ele quando estava sob custódia do Estado brasileiro.
A condenação do médico capixaba, Dr. Césio Flávio, e de seu colega, Dr. Anísio Ferreira, já recebeu um carimbo do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, ao conceder-lhes, liminarmente, em 2005, um Habeas Corpus, confirmado à unanimidade pela turma de julgadores no último dia 2 de março de 2010: “o maior erro judiciário brasileiro”.
O Habeas Corpus foi confirmado no dia 2 de março de 20120, comunicado à Justiça paraense no dia 8, publicado dia 12, mas o alvará de soltura dos réus não foi emitido. E eles continuam mofando por crimes que não cometeram. Nem nos tempos da ditadura militar se viu tamanha afronta aos Direitos Humanos. Quando eram concedidos, pelo menos os Habeas Corpus eram cumpridos.
O clamor público do passado, em relação à condenação desses réus, já não há. Felizmente, não há pena de morte no Brasil, mas quem garante a vida deles na prisão pelos próximos dias? O clamor público, que agora deve haver, é pelo direito à liberdade e à reparação para inocentes condenados pelo Estado brasileiro, representado pelos seus agentes públicos lotados em uma das unidades da Federação, o Pará. Enfim, um clamor público pelos Direitos Humanos para todos. Quem se habilita?

José Caldas da Costa publicou este artigo, originalmente, na revista eletrônica http://www.seculodiario.com.br

5 Comentários leave one →
  1. Rubens Azeredo permalink
    27 de maio de 2011 16:23

    Eu concordo plenamente em tudo o que voce disse, e como voce eu também cresci com o Césio, ele morava antes em Jardim da Penha um bairro perto do meu em Bairro Republica, eu agora mora em New York e no Natal do ano anterior tive o prazer de coneher a esposa e os filhos deles que foram me visitar na casa de meus pais, e acho que essa foi a ultima vez que o vi nas minhas férias que faço todos os anos no Brasil e com a noticia que minhas irmãs me deram, fiquei chocado com este tipo de acusação contra ele. Fiquei sem palavras e só acompanhando pelos jornais, as injustiças feita com uma pessoa familia simples.
    Se voce tem algum contato com ele please passe meu e-mail pra ele, e estou indo ao Brasil em julho e gostaria muito de reve-lo.
    Césio meu irmão, nunca, e sem nunca pestanejar desconfiei ou duvidei de sua inocencia, eu peço desculpa por esta Justiça do Brasil incompetende te fazer sofrer, e de fazer voe perder sua mãe dona Berenice.
    Nos perdoe em nome das pessoas que sempre acreditou em voce.
    Familia Azeredo.
    Rubens Azeredo

    • 27 de maio de 2011 16:26

      Caro Rubens, lamentavelmente, como vc pode verificar no meu blog, agora o Césio, além de preso inocentemente, agora está num presídio comum, onde somente pode ser visitado pela mulher e o filho… Esse é o Brasil do desenvolvimento econômico e das crescentes injustiças, Rubens…
      abraço

  2. Rosaly permalink
    13 de março de 2014 13:57

    Também conheci Césio e toda a sua família. Conto, ainda, que Dona Berenice e Seu Brandão (como o chamamos), foram as pessoas que nos ajudaram quando eu e minhas irmãs passamos um grave problema de família, com meu pai e mãe doentes. Lembro de Césio na rede em Jardim da Penha, sempre lendo livros muito grossos, para passar no vestibular de medicina. Lembro como Seu Brandão nos oferecia mariola, sempre sorrindo. Um quintal cheio de árvores frutíferas. Uma família muito querida, amada, íntegra. Disseram que Césio estava em Vitória fugindo, da última vez que o prenderam. Como fugindo? Um fugitivo, trabalhando em um Hospital Público, com seu próprio nome? A tristeza que sinto por tudo isso, sem palavras.
    Rosaly Stange Azevedo

  3. 14 de agosto de 2014 10:46

    Em tempos vejo tudo isso, com tamanha injustiça.
    pois como é de saber publico e notório a promotora do referido caso não quer abrir mão dos seus caprichos.
    Dizendo que tem provas contundentes isso fazendo cada dia mais o Dr. Césio Flavio Caldas Brandão, venha se passando por momentos vexatórios, destruindo a sua reputação no convívio social.
    Isso pois a mesma jamais irá reconhecer porque trata de reparação de danos morais físicos psicológicos e isso não tem preço e mesmo que tivesse dinheiro nenhum do mundo repararia tais danos.
    Maria de Lourdes da Silva.

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